Durante live do MediaTalks em setembro, o Diretor de Redação da TV Cultura,  Leão Serva, comparou a cobertura da pandemia à de uma guerra, observando que o jornalismo sempre cresce em momentos de conflito. 

Confira o vídeo e um resumo dos principais pontos discutidos em sua apresentação.

“Vi a chegada da pandemia com a sensação de quem iria cobrir uma guerra.”

“Fui correspondente de guerra nos anos 90. Não podendo cobrir guerras desde então, passei a me dedicar a estudos acadêmicos, e achei que esta pandemia teria efeito semelhante. 

O jornalismo cresceu durante guerras e é dependente de guerras para o seu crescimento como industria. O jornalismo da Europa cresceu com a cobertura da guerra da Crimeia. O jornalismo americano com a cobertura da Guerra Civil e toda a industria de jornais do Chile floresceu com a cobertura da Primeira Guerra Mundial. Alguns dos maiores escritores da história da literatura fizeram sua fama com a cobertura de guerras.”

Oportunidade única

“Em 1974, São Paulo teve uma grande epidemia de meningite e lembro que na época os epidemiologistas e sociólogos diziam que o ideal teria sido as pessoas manterem de alguma forma a sua rotina e todos os cuidados com a epidemia.

Eu tive essa sensação quando, excetuando as pessoas de faixas de risco, com comorbidades ou de idade mais alta, combinamos na TV Cultura de manter todos os jornalistas trabalhando, com protocolo muito rígido de segurança sanitária dentro da empresa.”

“O jornalismo vive uma oportunidade totalmente única desta geração, talvez a maior do século XXI, uma das maiores dos últimos 100 anos. Na hora de grandes eventos como esse, a Imprensa vive momentos de catalisação de seus processos como indústria.”
Sobre o momento por que passa o jornalismo

“Assim como os cientistas dizem que o aquecimento global não cria fenômenos, mas agrava fenômenos, as grandes tendências do jornalismo se acentuaram. A identificação mais clara e mais rápida das fake news, naquilo que chamamos de educação midiática, já vinha acontecendo. Aposto que o efeito das fake news nas próximas eleições será menor do que na eleição passada, e que na eleição de 2022 será ainda menor do que a desta. Essa educação midiática já vinha causando a tendência de valorização do jornalismo, que se acentuou agora.”

“O jornalismo vive o seu melhor momento na história da industria da comunicação do ponto de vista da audiência. E no entanto uma crise das empresas jornalísticas com relação ao seu modelo de negócios e à sua sustentabilidade. Essas dificuldades foram agravadas, mas também acentuada a tendência de confiança no jornalismo e de consumo de notícias.”

“A confiança não se traduz em negócios. Mas quem sobreviveu a essa crise tende a acentuar sua permanência e a crescer agora que a crise vem sendo superada.”

Sobre o papel das fundações e plataformas digitais no financiamento do jornalismo
“O modelo das fundações é um modelo que vai crescer bastante nas próximas décadas, com a sobrevivência de veículos de mídia se dando através de fundações e instituições sem fins lucrativos.”
Foto: NordWood

“A pressão sobre as plataformas digitais para pagar produção jornalística como vem sendo feito na Austrália é um erro. É uma tentativa de empresas da imprensa tradicional com modelos de negócio decadentes de sugar um naco dos ganhos das novas empresas.

É certo que elas devem pagar impostos, que em muitos países não pagam. Mas é insustentável que paguem pela produção jornalística, pois se pagarem para todos os candidatos, esse dinheiro vai se diluir e não fará diferença. E pagar para alguns levará a critérios injustos. Temos que encontrar a saída honrosa para o futuro da atividade.”

Sobre revolução tecnológica e sobrevivência de meios tradicionais
Historicamente, grandes revoluções tecnológicas ou culturais explodem as formas de comunicação. As formas de discussão dos temas de interesse público se quebram, vivem uma crise muito intensa e se reorganizam.
Foto: Mark Botsford

Nesta revolução tecnológica haverá um reassentamento. As mídias sociais não vão destruir os meios existentes até a sua chegada, assim como a Internet não destruiu a televisão, como a televisão não destruiu o rádio, e assim sucessivamente.

Os primeiros momentos da chegada desses meios sempre causam devoção doentia que sempre tende a vê-lo como monopolistas, capazes de  não deixar pedra sobre pedra dos meios anteriores. E não é isso que vemos depois.

A pandemia acentuou certos processos. Está clara a tendencia de um lugar para as mídias sociais e também para o jornalismo via mídias sociais.

Acentua-se a tendencia de o jornalismo encontrar outra forma de financiamento, mais por assinaturas. Em última instancia será o consumidor que pagará pelo conteúdo e não mais a publicidade.

Todas as mídias terão seu lugar. E as empresas convencionais terão que sobreviver com um mix de mídias e não mais com meios específicos. Em resumo, vivemos uma revolução que intensificou processos que já existiam e que já vinham se delineando e se afirmando nos últimos anos.

Pela minha idade e pelo que já estudei da história dos meios de comunicação, nem me sinto impotente diante de um cataclismo incontível e nem acho que está tudo normal.

Mas acho que, como diria Paulinho da Viola, num momento de mudança como este, devemos levar o barco devagar.