Conforme ficou demonstrado na última COP26, o jornalismo tem papel fundamental para a solução da crise do clima, conscientizando as pessoas e pressionando governos e empresas na busca das mudanças necessárias para limitar o aquecimento global.

A cobertura da mudança climática não é simples e esbarra em obstáculos como o interesse do público, o excesso de termos técnicos e o risco de dar espaço a opiniões sem base científica. É nesse contexto que o jornalismo ambiental se insere como parte da solução da atual crise, discutida em detalhes no Especial COP26.

A rede Covering Climate Now, da qual o MediaTalks faz parte, preparou um guia com 10 práticas que podem ajudar nesse desafio de cobrir de maneira cada vez mais ampla e precisa a emergência ambiental.

1. Diga sim à ciência

Não existem dois lados a respeito de um fato objetivo. Durante muito tempo, especialmente nos Estados Unidos, a imprensa posicionou as evidências da ciência do clima no mesmo nível que as declarações de ceticismo e de negação do clima de entrevistados – raramente nada mais do que meras proteções veladas à indústria de combustíveis fósseis.

O resultado da ideia de que essas posições são iguais, ou de que um julgamento final de alguma forma ainda estaria fora de questão, é em grande parte responsável pelo desinteresse do público e pela paralisia política no enfrentamento da crise climática até agora.

Como jornalistas, devemos escrever sobre as mudanças climáticas com a mesma clareza com que os cientistas vêm fazendo alertas há décadas. Dar voz aos detratores desses cientistas em um esforço para “equilibrar” as matérias não apenas induz o público a erro, mas também é impreciso.

Onde a negação do clima não pode ser evitada − quando vem dos mais altos escalões do governo, por exemplo − o enfoque jornalístico responsável é deixar claro que tal posição não é baseada em fatos, ainda que não tenha sido fruto de má-fé.

2. A crise climática engloba diversas editorias

Em sua essência, a pauta do clima é uma pauta de ciência e meio ambiente. Mas é sempre possível abordar um ponto de vista “climático” em assuntos de outras editorias, como você pode verificar nestes exemplos de quem cobre negócios , saúde , habitação , educação , alimentação , esportes , segurança nacional , entretenimento ou qualquer outra coisa.

Como bem definiu o renomado ambientalista norte-americano Bill McKibben, “a mudança climática é uma história emocionante, cheia de drama e conflitos. É para isso que o jornalismo foi feito”.

Além disso, o clima não precisa ser o foco central de uma matéria para merecer menção. Seja em uma coletiva de imprensa de uma empresa de tecnologia ou em uma entrevista com uma autoridade, o tema mudança climática pode fazer parte da conversa. Em matérias sobre a recuperação econômica depois da Covid-19, por exemplo, a conexão com o clima é quase uma obrigação.

3. Enfatize as experiências − e o ativismo − dos menos favorecidos

A justiça climática é fundamental para a cobertura do clima. Os menos favorecidos, as minorias raciais e os indígenas sofrem primeiro e mais com as ondas de calor, inundações e outros impactos ambientais. No entanto, suas vozes e histórias são frequentemente omitidas da cobertura jornalística.

As boas matérias sobre o clima não apenas destacam a situação dessas pessoas, mas também reconhecem que elas frequentemente lideram os inovadores movimentos da luta pelo clima. Uma cobertura que se concentra predominantemente em comunidades ricas e apresenta apenas vozes brancas está simplesmente deixando de lado o mais importante da história.

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4. Afaste-se da “politicagem”

Há, é claro, muitas matérias urgentes sobre o clima a serem contadas com base em conversas ouvidas nos corredores do poder. Mas quando abordamos a questão climática sob a ótica da luta política, engajamos a narrativa na mesma polarização que tanto compromete o jornalismo político (um lado quer agir, o outro não concorda, e parece que nada pode ser feito).

Ao destacar o partidarismo em nossa cobertura climática, também corremos o risco de perder grandes faixas de público, que provavelmente veem essas matérias como mais cobertura política. E abrimos mão da oportunidade de questionar suas convicções diante dos leitores, espectadores e ouvintes cujas visões políticas estão arraigadas em um campo ou outro.

 5. Evite “desgraça e melancolia”

Podemos e devemos compreender as consequências históricas das mudanças climáticas. Entretanto, se nossa cobertura for sempre negativa, ela deixa o público com uma sensação geral de impotência.

Na verdade, para cada incêndio florestal ou negação da crise climática pelos poderosos, há ​​multidões de inovadores e ativistas apresentando soluções criativas. Ao destacar essas histórias, mostramos que a mudança climática não é um problema grande demais para ser compreendido e enfrentado.

6. Vá devagar com o jargão

Este é um princípio testado e comprovado do jornalismo em geral, mas aplica-se ao jornalismo ambiental com perfeição. A pauta do clima está repleta de verborragia interna − partes por milhão de dióxido de carbono, microgramas de material particulado ou frações de graus centígrados.

O significado e as implicações desses termos podem ser familiares para aqueles que cobrem o setor, mas podem ser desconhecidos para aqueles que estão lendo ou assistindo. Imagine sempre que seu público-alvo não é  formado por cientistas ou colegas jornalistas do clima. E pergunte-se: como posso ajudar alguém não familiarizado a entender o problema com facilidade e precisão?

Clima

Sempre que possível, evite o excesso de termos técnicos. E, ao quantificar as mudanças climáticas, tente empregar analogias simples. Por exemplo: ao explicar como o aquecimento global contribuiu para o recorde de incêndios florestais na Austrália, John Nielsen-Gammon, climatologista do estado do Texas, fez uma comparação entre a elevação da temperatura e os esteróides no beisebol: “um grande rebatedor acertará muitos home runs, mas o que toma esteróides vai bater mais”.

7. Cuidado com o greenwashing, a “lavagem verde”

Empresas em todo o mundo estão pressionadas pelas demandas públicas por práticas de negócios ecologicamente corretas. As promessas de “tornar-se verde”, no entanto, muitas vezes equivalem a pouco mais do que campanhas de marketing que obscurecem as pegadas de carbono não mitigadas.

Portanto,  lance um olhar cético sobre as grandes promessas de emissões líquidas de carbono zero ou negativo, especialmente de empresas que historicamente têm sido uma grande parte do problema e não da solução.

8. Matérias sobre eventos extremos são matérias sobre a crise climática 

O noticiário tem sido dominado por matérias sobre furacões, inundações, queda de neve em volumes incomuns, ondas recordes de calor e secas. Nem todos esses eventos devem-se às mudanças climáticas. Mas o aumento da frequência e da intensidade desse clima extremo certamente é.

Mesmo assim, muitas dessas notícias fazem pouca ou nenhuma menção à conexão climática, deixando o público sem contexto e sem saber que a humanidade já está passando por uma mudança climática.

Pior ainda, algumas coberturas acolhem essas más notícias com alegria. Uma onda de calor alarmantemente fora de época, por exemplo, é “uma pausa muito bem-vinda para o frio”. A conexão climática não precisa dominar a cobertura, nem desviar a atenção das informações vitais de que o público precisa. Mas mencioná-la é obrigatório.

9. Abandone a ideia ultrapassada de que a cobertura climática não dá audiência 

As matérias sobre meio ambiente têm má reputação como assassinas de tráfego. Isso pode ter sido verdade no passado. Mas as mudanças demográficas e a crescente conscientização da atual crise aumentaram as demandas por uma cobertura climática inteligente e criativa − especialmente do público jovem, para quem o tema costuma ser prioridade.  Há boas evidências de que uma boa cobertura climática pode impulsionar os resultados financeiros de um meio de comunicação.

10. Não dê destaque para negacionistas do clima

Entendemos tão bem quanto qualquer pessoa que as páginas de opinião ocasionalmente precisam diversificar com opiniões polêmicas. Mas não há mais nenhum argumento de boa fé contra a ciência do clima − e se alguém aceita a ciência, também aceita o imperativo de ação rápida e enérgica.

Artigos de opinião que prejudicam o consenso científico ou ridicularizam o ativismo climático não podem estar em um meio de comunicação sério.


Este artigo é parte da Covering Climate Now, uma colaboração de jornalismo global  destinada a fortalecer a cobertura jornalística sobre meio ambiente e mudança climática.