Ao abrir um processo contra o Google por concorrência desleal nos Estados Unidos, nessa terça-feira (20/4), o jornal britânico Daily Mail inaugura uma nova frente de batalha das empresas jornalísticas com a gigante de buscas. A ação movida por um dos líderes da imprensa britânica pode tornar-se referência para outras organizações. Além disso, levanta a suspeita de que os algoritmos utilizados nas buscas não seriam tão imparciais como a empresa assegura.

O jornal alega que o domínio absoluto do Google, tanto da indústria de tecnologia de publicidade digital como do mercado de buscas, o coloca na dupla condição de, numa ponta, explorar os veículos jornalísticos impondo-lhes preços depreciados para aumentar seus lucros; e, na outra, o gigante tecnológico seria capaz de punir aqueles que não se dobrem às suas condições, diminuindo drasticamente sua visibilidade perante os leitores que busquem por notícias.

Para o Daily Mail, a luta defende todo o mercado jornalístico:

“O DailyMail.com está tomando as medidas jurídicas necessárias para combater os danos causados pelo Google aos editores e para proteger a liberdade de expressão.”

Para comprovar a acusação, o Daily Mail anexa ao processo um estudo demonstrando como ele teria sido vítima dessa prática. Até junho de 2019, cerca de 20% dos anúncios online do jornal eram vendidos por meio do Google, enquanto os concorrentes respondiam por um volume quatro vezes maior.

O jornal alega que, em virtude disso, foi punido pelo Google, que reduziu sua visibilidade nos mecanismos de busca da empresa, tanto nos resultados do Reino Unido e dos Estados Unidos, como em nível global.

O “castigo” durou três meses, até o final de setembro, quando a venda de anúncios online por meio do Google mais do que dobrou. Isso fez com que o volume vendido por meio do gigante de buscas alcançasse um nível equivalente ao de todos os rivais somados.

Apesar de o Google, durante o período, ter garantido ao Daily Mail que não houve mudanças nos algoritmos de busca, o jornal alega no processo que a empresa de tecnologia modifica-os regularmente para manipular os resultados de buscas e assim favorecer ou prejudicar os editores, de acordo com os seus interesses.

O processo

O processo antitruste contra o Google e sua empresa-mãe, a Alphabet, foi aberto na Corte Distrital dos Estados Unidos em Nova York. As autoras são a Associated Newspapers Ltd. e a Mail Media Inc, controladoras do Daily Mail.com e do Mail Online.

Além de indenizações pelos prejuízos sofridos, o Daily Mail pede que o Google seja obrigado a interromper sua má conduta na venda de publicidade digital e passe a oferecer transparência quanto aos parâmetros de seus algoritmos de busca:

“DailyMail.com apresenta esta ação antitruste para compensação e medida cautelar a fim de restaurar a concorrência nos mercados monopolizados e salvaguardar o conteúdo de notícias para os leitores. 

Isso inclui, mas não se limita, a eliminação de vinculação forçada de produtos, manipulação de lances, e parcialidade nos resultados da pesquisa de notícias, além de fornecer transparência quando eles fazem alterações em seu algoritmo.”

Trata-se da mais recente de uma série de ações judiciais movidas contra o Google, já na mira do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e de procuradores-gerais de vários estados daquele país, que acusam a empresa de monopólio e eliminação da concorrência.

Como o Google se utilizaria do domínio da indústria de publicidade digital

O Daily Mail acusa o Google de ter construído ilegalmente sua posição dominante na indústria de tecnologia de publicidade digital na última década e de atualmente controlar as ferramentas que editores e anunciantes usam para comprar e vender espaço publicitário online em um mercado que movimenta US$ 125 bilhões .

Essas ferramentas incluem o software que os editores usam para vender seu estoque de espaços publicitários e a plataforma onde milhões de anúncios são vendidos em leilões todos os dias.

O processo alega que o controle dessas ferramentas pelo Google força os editores a usarem sua plataforma, à qual vinculou a sua própria bolsa de negociação, em uma tentativa de eliminar a competição. Dessa maneira, o jornal diz que o gigante passou a controlar não só a venda do inventário de anúncios, como também a definição dos espaços nas páginas online dos jornais e a própria negociação que decide os preços.

“A falta de competição pelo inventário de anúncios deprime os preços e a redução da receita diminui a quantidade e a qualidade das notícias disponíveis para leitores”, diz o processo.

Segundo as alegações da ação, a plataforma do gigante das buscas controla mais de 90% do mercado de veiculação de anúncios de editores e sua bolsa vinculada passou a controlar mais de 50% das negociações realizadas.

De acordo com a reclamação judicial, essa situação dificulta aos editores comparar preços entre os concorrentes, reduz o número de lances por espaço publicitário e ainda permite ao Google saber as ofertas oferecidas por rivais para definir seus próprios lances. Isso permitiria ao Google obter valiosos espaços de publicidade online a preços reduzidos, assim expresso no processo:

“O Google usa seu domínio do mercado de tecnologia de publicidade digital para comprar camarotes pelo preço de arquibancadas.”

A diminuição do espaço competitivo e a restrição à concorrência fazem com que o Google passe a controlar uma parcela cada vez maior do espaço publicitário que resta, disse um porta-voz do Daily Mail:

“Este processo visa a responsabilizar o Google por seu comportamento anticompetitivo contínuo, incluindo a manipulação de leilões de anúncios, exploração de seu poder de mercado para prejudicar seus rivais de publicidade e a manipulação de algoritmos para enviesar resultados de busca de notícias.”

Como o Google se utilizaria do domínio do mercado de buscas

De acordo com o processo, se os editores não aceitarem as condições impostas e não venderem espaço publicitário suficiente por meio do Google, o gigante aplicaria punições, manipulando seus algoritmos para diminuir a visibilidade dos rebeldes nos resultados de busca de notícias.

Além disso, o jornal diz na ação judicial que os editores que não priorizem as ferramentas de negociação de espaço publicitário do Google não aparecem no topo da página dos resultados das pesquisas por dispositivos móveis. Funcionaria como um forte instrumento de pressão para jornais como o Daily Mail, que tem 70% de seu tráfego na web concentrado em dispositivos móveis.

Na edição desta quarta-feira (21/4), o jornal fez nova acusação: a de que em 2021 o Google deliberadamente teria escondido links para artigos do Daily Mail sobre a família real britânica. 

Num levantamento sobre buscas de notícias por meio do Google tendo Harry e Meghan como palavras-chave, o Daily Mail ficou com apenas 1,65% de visibilidade, no período de 1 a 11 de março, atrás de todos os demais rivais listados.

De acordo com a reclamação, o Google pune os editores alegando que manipulam os rankings de busca se eles não venderem espaço publicitário suficiente por meio da bolsa da própria empresa de tecnologia. Por exemplo, palavras-chave relacionadas à cobertura recente do Daily Mail sobre a realeza do Reino Unido e Piers Morgan, que é o editor do DailyMail.com em geral, não apareceram com destaque nos resultados de pesquisa do Google

A palavra-chave 'Príncipe Phillip' tinha 1,34% de participação de visibilidade no Google, em comparação com os 17% da BBC

Outro exemplo é o da busca pela palavra-chave Piers Morgan, colunista do DailyMail.com. O resultado volta a não superar os 2% de visibilidade, e o jornal aparece na penúltima colocação entre os relacionados.

A participação do Daily Mail para as palavras-chave 'Piers Morgan' foi responsável por 1,57% da participação de visibilidade no Google. Enquanto isso, o Independent and the Guardian tinha 13,7 por cento e 11,8 por cento de visibilidade nas pesquisas

O que diz o Google

O Google classificou as alegações do processo como “sem mérito” e “imprecisas”.

“O uso de nossas ferramentas de tecnologia de anúncios não influencia na classificação de um site no Google Search”, disse o Google.

No comunicado, a empresa afirma que “atua em um mercado competitivo no qual os editores têm muitas opções para vender seus espaços publicitários”:

“O próprio Daily Mail autoriza dezenas de empresas de tecnologia de publicidade a vender e gerenciar seu espaço de publicidade, incluindo Amazon, Verizon e muitas outras. Vamos nos defender contra essas reivindicações sem mérito.” 

Outros processos com alegações semelhantes

O Google já enfrenta alegações semelhantes em um processo aberto em dezembro pelo governo do Texas, ao qual já aderiram os estados de Arkansas, Indiana, Kentucky, Missouri, Mississippi, Dakota do Sul, Dakota do Norte, Utah e Idaho.  

Além desse, o Texas e outros onze estados já haviam aderido ao processo federal antitruste do Departamento de Justiça contra o Google, iniciado em outubro, que argumenta que ele usou ilegalmente seu domínio no mercado de buscas e de publicidade online para prejudicar seus rivais.

O processo que tramita no Texas foi motivado por reclamações de veículos que dependem da receita de publicidade online para sobreviver. A ação questiona o domínio de mercado da empresa e a acusa de violar a lei antitruste na forma como administra seu negócio de publicidade online. O procurador-geral do Texas, Ken Paxton, disse na época:

“O Google repetidamente usou seu poder de monopólio para controlar os preços e envolver-se em conluios de mercado para fraudar leilões, em uma tremenda violação da justiça.”

Paxton acrescentou que o Google eliminou sua concorrência e coroou-se o rei da publicidade online:

“Se o mercado livre era um jogo de beisebol, o Google se posicionava como o arremessador, o batedor e o árbitro.”

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