Por Marcos Emílio Gomes, jornalista

É bastante compreensível que vez ou outra alguém compartilhe imagem reproduzindo uma reportagem ou envie para os amigos um texto copiado de um site que cobra pelo acesso a seu conteúdo. As pessoas querem trocar informação rapidamente e nem sempre se preocupam com as consequências desse pequeno gesto, que talvez nem possa ser chamado de pirataria.

Mas a repetição sistemática desse comportamento já representa um dano considerável para muitas empresas de mídia e uma ameaça aos profissionais da notícia.

As bancas de jornal e revistarias já tinham se tornado shoppings de produtos populares antes da pandemia – vendendo poucas publicações e muita quinquilharia –, mas o isolamento social acirrou ainda mais o fenômeno do compartilhamento e multiplicou as perdas para veículos que dependem de assinantes, seja na web, seja para receber as publicações fisicamente.

Corretores de investimentos remetem, pelo menos duas vezes por semana, PDFs de páginas do jornal Valor Econômico com dicas de aplicações financeiras. Nos outros dias, mandam também reproduções de reportagens da Exame, textos copiados de O Globo, do Estadão, do UOL Economia Mais, da Folha e de vários outros serviços disponíveis por meio de assinatura. Volta e meia, para públicos mais qualificados, enviam notícias inteiras do Financial Times, do The Wall Street Journal e da The Economist.

Distribuição em larga escala

Há muito tempo entidades sindicais e associações de todos os tipos montam clippings que reproduzem páginas de publicações com assuntos relativos a determinadas profissões ou atividades. Antes, esse material era encaminhado em fotocópias, raramente alcançando a centena de reproduções. Agora chegam no formato de PDF, por smartphones e computadores, para milhares de destinatários. E são reencaminhados incontáveis vezes.

Num arremate perfeito à mais completa violação de direitos autorais, existe até um serviço especializado, acessível pelo Telegram, por meio do qual é possível baixar integralmente cópias de publicações do Brasil inteiro, aí incluídas até revistas de receitas culinárias, gibis e guias de arquitetura, astrologia e horticultura, entre muitos outros. Noutro endereço, conseguem-se reproduções de veículos do mundo todo.

Foto: Gerd Altmann/Pixabay

Não há provas cabais a respeito, mas suspeita-se que, em não poucos casos, o objetivo é boicotar propositalmente os veículos mais qualificados de distribuição de notícias com o propósito de criar confusão política.

Há também esquemas de venda de senhas de acesso a portais que utilizam sistemas de paywalle até ataques de hackers a publicações que cobram pelo acesso, com a intenção de pedir resgate pela solução dos problemas que criam nos sistemas.

Restringindo o assunto aos PDFs e às cópias de conteúdo, ainda que muitos veículos da grande imprensa tenham decaído de qualidade a ponto de por em dúvida se compensa pagar o valor decrescente que cobram pela assinatura, o fato é que o compartilhamento integral de conteúdosnão só é um atentado ao copyright como também às finanças de sites, jornais e revistas – o que, no fim das contas, leva à deterioração ainda maior da qualidade.

Outros países tentam protegere direitos autorais

Em Portugal, o sindicato dos jornalistas, diversas empresas e parlamentares estão em campanha, há mais de um ano, alertando os leitores sobre a possível criminalização dessa prática. No país, há pena de prisão de até três anos aplicável a quem viola direitos autorais e estão em curso várias investigações buscando fontes de digitalização ilegal de conteúdos. Um alerta distribuído ao público pelas empresas atingidas recorda que isso, além de violar a lei, representa ameaça “à informação livre e independente”.

Na Índia, depois de longa polêmica, concluiu-se que administradores de grupos de WhatsApp flagrados compartilhando PDFs de jornais e revistas sem autorização específica dos editores podem ser responsabilizados legalmente por atividade criminosa.

O caso foi muito discutido no país porque, com a pandemia, várias empresas optaram por distribuir suas publicações nesse formato, enquanto outras, que decidiram manter apenas as versões impressas, acabaram vítimas da pirataria.

Os veículos tentam defender-se das maneiras mais diversas. Contra o conhecido copyandpaste, muitos, como o site da revista Veja no Brasil, adotaram um sistema que cola, junto com apenas uma parte do trecho copiado, uma advertência sobre a origem daquele texto – mas, diante das incompatibilidades do software com a programação de vários sites e de sua inutilidade contra o printscreene o screenshot , boa parte abandonou a ferramenta.

Mais comum, numa linha paralela de defesa, é a autorização especial de compartilhamento de conteúdo, pela qual um assinante pode enviar links desobstruídos para uma determinada quantidade de amigos. Isso evita, em parte, o “copiar e colar” dos usuários pagantes, que dá certo trabalho.

Valem-se desse método já disseminado por toda a imprensa veículos como o The New York Times e The Washington Post, além dos britânicos The Telegraph e The Times,  todos investindo nessa tática também para marketing de assinaturas, convidando o endereçado a participar de uma promoção para ter acesso ilimitado a seus conteúdos.

O sucesso dessas estratégias é bastante incerto, a julgar pela avaliação quase comovente de uma empresa especializada no desenvolvimento de sistemas digitais seguros de publicação online. A narrativa de uma dessas companhias, ao explicar seus esforços para garantir a preservação de direitos autorais desde os primórdios das internet, nos anos 1990, indica grandes problemas.

“Em termos de filmes, TV e música, a pirataria online global custa à economia dos EUA U$ 29,2 bilhões em receita perdida todos os anos”, calcula a PressReader. “Jornais e revistas italianos perdem , por meio do Telegram, U$ 734 mil, por dia ou U$ 273 milhões por ano.” O exemplo italiano se explica pelo esforço existente no país para identificar as fontes das cópias ilegais.

Em 2020, com a descoberta na Itália de um grupo implicado nesse tipo de pirataria, dez mil cidadãos que baixaram os conteúdos distribuídos pelos corsários digitais se viram sob ameaça de pesadas multas. ”A um amigo que me encaminhou uma mensagem com anexo de jornal na íntegra, respondi: ‘Por favor, não mande esse tipo de arquivo. Você contribui para que eu venha a perder o emprego”, escreveu na época uma jornalista daquele país em seu blog.

Excessos?

Esse é um ponto essencial em relação aos próprios jornalistas, por sinal. Provavelmente sem refletir sobre o assunto, muitos deles também costumam compartilhar dezenas de arquivos que reproduzem, em PDF, cada página dos jornais do dia e das principais revistas da semana.

Outros distribuem, via e-mail, Facebook e Instagram, textos copiados de sites fechados de notícias ou “fotos” das páginas de veículos impressos e eletrônicos. No WhatsApp, uma mensagem dessas pode alcançar milhões de destinatários.

A disputa pela atenção dos leitores, que hoje dispõem de milhões de alternativas para informar-se, também leva profissionais de imprensa, de vez em quando, a se exceder quando soltam um rojão e correm atrás da vara – como ironiza o ditado antigo referente aos especialistas em self marketing. Há jornalistas que espalham nas redes sociais não só links e referências a seu próprio trabalho, mas muitas vezes também cópias do que publicaram nos veículos em que atuam.

Excessos do mesmo tipo acontecem com o jornalismo militante quando, talvez com a intenção de destacar o trabalho de colegas, acabam por ferir regras de direitos autorais.

Um caso notório envolveu recentemente o colunista e ativista político inglês Owen Jones, colunista do The Guardian. Na sua conta no Twitter, Owen praticamente reproduziu, em tópicos, uma reportagem do The Sunday Times sobre a indiferença do primeiro ministro Boris Johnson, no começo da pandemia, diante da mobilização para enfrentamento do coronavírus.

“Como a reportagem está numa área paga do site, publico aqui os pontos principais”, anotou Owen, ilustrando seu resumo com uma fartura de material protegido por copyright. Acabou censurado pelo Twitter, que removeu as reproduções e decorou a página com 28 notas, em texto grande, informando que o material foi removido devido a reclamação do detentor dos direitos autorais. 

Do ponto de vista de um jornalista, esses compartilhamentos são uma espécie de suicídio em dosagem lenta. Ou um tiro no pé, numa expressão mais objetiva.


Marcos Emílio Gomes é jornalista, escritor e escreve o blog Ora Essa!?. Até recentemente assinava uma coluna na Veja.com. Teve passagens por veículos como Veja, Quatro Rodas, Placar, Runner’s World, Playboy, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e rádio CBN. Integrou a equipe que conquistou um Prêmio Esso de Informação Política e recebeu o Prêmio Abril de Jornalismo na categoria perfil com trabalho sobre o ex-presidente João Figueiredo. 

 
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