Londres – Os três primeiros capítulos do documentário da Netflix Harry & Meghan, que foram ao ar na manhã desta quinta-feira (8), frustraram os que contavam com ataques direitos aos membros da família real por racismo ou maus tratos à duquesa de Sussex.  

Mas a imprensa, sobretudo os tabloides e os jornalistas chamados “correspondentes reais”, que acompanham cada passo da monarquia, não foram poupados. 

A princesa Diana aparece em vários momentos dos episódios iniciais da série. Um dos trechos exibidos é um famoso clipe em que ela vai até um fotógrafo, coloca a mão diante da lente e pede privacidade para os filhos durante uma visita a uma estação de esqui. 

Na Netflix, Harry e Meghan contam história de amor

O primeiro capítulo de Harry & Meghan começa como uma adocicada história de amor, mostrando uma jovem alegre e livre que conhece o príncipe via Instagram e se apaixona por ele, mesmo tendo que esperá-lo no primeiro encontro. 

Amigas da duquesa fazem depoimentos sobre o que ela dizia a respeito do namorado, procurando transmitir uma imagem de romance de conto de fadas e expectativas de uma vida feliz, que segundo o casal acabou não acontecendo. 

Logo aparece o racismo, tema central do programa, embora não tenha sido feita nenhuma acusação direta aos familiares como ocorreu na entrevista dada pelo casal à apresentadora Oprah Winfrey em 2021, na qual a mídia foi igualmente atacada. Harry se refere ao racismo inconsciente na monarquia. 

Ele criticou abertamente o relacionamento da mídia britânica com a monarquia. A “rota real” é um grupo de jornalistas credenciados a acompanhar eventos e viagens dos membros da realeza. 

Segundo Harry, os jornais britânicos dão aos jornalistas que cobrem a família real o título de correspondentes reais para dar “legitimidade” ao que escrevem. “E eles são pagos por isso!”.

O príncipe chamou esse esquema de “essencialmente um braço estendido de relações públicas da família real. Um acordo que existe há mais de 30 anos”. 

Ele disse: “Todas as notícias reais passam pelo filtro de todos os jornais dentro da rota real, a maioria dos quais, exceto o Daily Telegraph, são tabloides.”

“Tudo se resume ao controle, é como se a família fosse deles para ser explorada”, criticou. 

Harry afirmou que, como membro da realeza, é seu “dever desmascarar essa exploração e suborno que acontece na mídia”.

Em vários momentos dos três capítulos, o desconforto de Harry com o que considera intrusão da imprensa é notório. Uma das situações citadas por ele foi a morte da princesa Diana, quando “em vez de ficar livre para sofrer, fui colocado em exibição pública como parte da família real”. 

O príncipe relatou que os ataques racistas à Meghan começaram antes do casamento, e demonstrou ressentimento pela falta de proteção à sua futura mulher, única crítica feita à família, ainda assim sem se referir a uma pessoa em particular. 

Ele recordou que oito dias depois que o relacionamento foi anunciado, publicou uma declaração denunciando os tons racistas de artigos e manchetes que foram escritos pela imprensa britânica, bem como o “racismo absoluto” de posts nas mídias sociais”.

Imagens de manchetes de jornais foram exibidas no documentário da Netflix. Uma delas dizia: “A garota de Harry saiu (quase) de Compton”.

Meghan disse: “Em primeiro lugar, não sou de Compton, nunca morei em Compton, então é factualmente incorreto. Então por que fazer uma investigação em Compton?”

Harry afirmou que a família real não conseguiu entender que Meghan precisava de proteção contra ataques racistas.

O duque de Sussex afirmou que membros da realeza questionaram por que a duquesa deveria ser “protegida”. E que a orientação do Palácio foi “não se manifestar”, já que tudo o que ela estava passando outras também já tinham passado. 

Ele disse ter ouvido de parentes, sem citar nomes: “‘Minha mulher teve que passar por isso, então por que sua namorada deveria ser tratada de maneira diferente? Por que você deve receber tratamento especial? Por que ela deveria ser protegida?”

Ele disse ter respondido:” A diferença aqui é o elemento raça.”

Essa foi a mais negativa referência de Harry e Meghan à família nos três capítulos iniciais do documentário. Ainda assim saiu barato, porque pelo menos por enquanto a crítica é por omissão, e não por atos que pudessem configurar discriminação deliberada contra a duquesa de Sussex. 

Outras referências foram à formalidade nas relações familiares, com um relato do estranhamento sentido por Meghan quando recebeu William e Kate para um jantar descalça e com um abraço, algo incomum para os britânicos, segundo ela. 

Harry também deu uma estocada sutil no pai, ao comentar sobre a obrigação de casar com pessoas que se enquadrem no modelo da família. E comparou-se à mãe ao dizer que toma as decisões “com o coração”. 

E no que foi visto pela imprensa britânica como ataque à memória da rainha Elizabeth II, que morreu há dois meses, falou sobre o passado escravocrata da realeza, chamando a Commonwealth (Comunidade Britânica das Nações) de “Império 2.0”. 

Mãe de Meghan fala de racismo na série da Netflix 

A sempre discreta mãe de Meghan, Doria Ragland, também falou sobre discriminação por parte da mídia no documentário. Ela contou que fotógrafos registraram imagens de bairros pobres e violentos de Los Angeles sugerindo que ela morava lá, e que aquela teria sido a origem de Meghan. 

No segundo episódio da série da Netflix sobre Harry e Meghan, o duque de Sussex fala sobre o interesse dos paparazzi em seu relacionamento e da perseguição nas redes sociais. E compara o assédio à mulher ao que foi sofrido por sua mãe, Diana.

“Ver outra mulher na minha vida, que eu amo, passar por esse frenesi, é difícil”, diz ele. “É o caçador contra a presa.”

Em outro trecho, Meghan disse ter chegado a acreditar que o interesse da imprensa diminuiria depois do casamento. 

“Naquele ponto, eu ainda estava acreditando muito no que me diziam:” vai passar, vai melhorar, é exatamente o que eles fazem no início”, disse ela.

“Mas, verdade seja dita, não importa o quanto eu tentasse, não importa o quão boa eu fosse, não importa o que eu fizesse, eles ainda encontrariam uma maneira de me destruir.”

Nem sempre a cobertura da imprensa sobre os membros da realeza é injusta ou invasiva. Harry desculpou-se no documentário por um de seus momentos infelizes na vida pública, quando usou um traje nazista em uma festa à fantasia em 2005. 

“Foi provavelmente um dos maiores erros da minha vida”, disse ele. “Eu me senti tão envergonhado depois. Tudo o que eu queria fazer era consertar.”

No início do primeiro episódio, uma mensagem diz que os membros da família real se recusaram a comentar a série. Mas segundo a BBC, tanto o Palácio de Buckingham quanto o Palácio de Kensington dizem que eles, ou quaisquer outros membros da Família Real, não foram abordados para comentar.

Na noite de terça-feira, ao chegarem para receber um prêmio de direitos humanos concedido pela fundação Robert F.Kennedy em Nova York, Harry e Meghan foram questionados por jornalistas sobre estarem ganhando dinheiro com a família. 

O contrato com a Netflix é estimado em US$ 100 milhões.

Eles não responderam, mas vários veículos britânicos destacaram a pergunta, o que não deixa de ser curiosa, pois o que a monarquia faz melhor é ganhar dinheiro explorando a imagem da família, além de receberem recursos públicos para financiar parte de suas despesas apesar da riqueza pessoal. 

O grupo antimonarquista Republic aproveitou para criticar a existência do sistema e sugeriu que Harry e Meghan – que continuam usando os títulos de duque e duquesa de Sussex a despeito das críticas à realeza que o fizeram romper com tudo e mudar para os EUA – se juntassem ao movimento republicano. 

O fantasma do racismo na família real 

Mesmo sem ataques diretos a familiares, o programa centrado em racismo vem em má hora para a realeza britânica, que na semana passada viveu uma crise relacionada à discriminação racial. 

Uma das acompanhantes da rainha Elizabeth e agora da rainha consorte Camilla teve que se afastar do posto depois de um diálogo com uma ativista negra durante uma solenidade no Palácio de Buckingham. 

O caso aconteceu na véspera de uma viagem do príncipe William e de sua mulher, Kate, aos EUA, programada para ser um grande evento.

Para completar, no segundo dia do tour a Boston, a Netflix divulgou o primeiro trailer do documentário Harry & Meghan, dividindo atenções com as atividades do príncipe e da princesa de Gales em solo americano. 

Os próximos capítulos de Harry & Meghan serão exibidos pela Netflix no dia 15 de dezembro.

Coincidência ou não, é o dia em que a princesa de Gales será anfitriã de uma cerimônia de cantos de Natal na Abadia de Westminster, que será transformada em um especial para a TV. A guerra de relações públicas está longe de acabar.